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Primeiro registro e aspectos ecológicos de Hoplerythrinus unitaeniatus (Agassiz, 1829) (Characiformes, Erythrinidae) como espécie introduzida na Bacia do Rio dos Sinos, RS, Brasil

First record and ecological aspects of Hoplerythrinus unitaeniatus (Agassiz, 1829) (Characiformes, Erythrinidae) as introduced species in Rio dos Sinos basin, RS, Brazil

Resumos

A espécie Hoplerythrinus unitaeniatus é conhecida popularmente como jeju ou aimara. Possui ampla distribuição geográfica, ocorrendo em diversas bacias hidrográficas da América Central e do Sul, com sua localidade tipo, o Rio São Francisco. No Brasil o registro mais ao Sul da espécie é a bacia do Rio Uruguai, Rio Grande do Sul. O presente estudo reporta a primeira ocorrência de H. unitaeniatus no Sistema da Laguna dos Patos, Região Hidrográfica do Guaíba, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A captura ocorreu em um banhado adjacente ao Rio dos Sinos no Município de São Leopoldo (29° 44' 14,04" S e 51° 05' 11,08" W). Dois exemplares foram coletados com redes de arrasto em maio de 2008. Um dos espécimes foi anestesiado com 2-phenoxy-ethanol, fixado em formalina 10%, identificado e incluído na coleção de peixes do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O segundo espécime foi mantido vivo em aquário durante dez meses, vindo a óbito por debilidade devido a infestação por Lernaea cyprinacea (Crustacea, Copepoda). A presença de lérnea e a facilidade de criação em cativeiro da espécie fazem factível pensar que os peixes escaparam de alguma piscicultura da região. A captura acidental não reflete na proliferação de uma população auto-sustentável, mas direciona à falta de fiscalização para a criação e comercialização de espécies alóctones e exóticas, que futuramente tendem a gerar a homogeneização da biota aquática.

Erythrinidae; Hoplerythrinus unitaeniatus; espécies invasoras


Hoplerythrinus unitaeniatus is popularly known as jeju or aimara. Widely distributed, occurs in many Central and South America basins, with the São Francisco River as type locality. In Brazil, the southernmost record of the species is the Uruguay River, Rio Grande do Sul State. This study reports the first record of H. unitaeniatus in the Patos Lagoon system, Guaiba hydrographic region, state of Rio Grande do Sul, Brazil. The capture occurred in a floodplain adjacent of the Sinos River near São Leopoldo city (29° 44' 14.04" S and 51° 05' 11.08" W). Two specimens were collected with drag net in May 2008. One specimen was anesthetized with 2-phenoxy-ethanol solution, fixed in formalin 10%, identified and included in the Museu de Ciências e Tecnologia da Pontífícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul fish collection. The second specimen was kept alive in aquarium. After ten months it died of Lernaea cyprinacea (Crustacea, Copepoda) infestation. The presence of Lernaea and ease of captive breading of this species support the hypothesis that the collected fish escaped from regional fish farms. The accidental capture does not necessarily reflect a self-sustaining population, but shows the absence of supervision on breeding and marketing of non-native species, which may lead to a homogenized aquatic community.

Erythrinidae; Hoplerythrinus unitaeniatus; invasive species


ARTIGOS

Primeiro registro e aspectos ecológicos de Hoplerythrinus unitaeniatus (Agassiz, 1829) (Characiformes, Erythrinidae) como espécie introduzida na Bacia do Rio dos Sinos, RS, Brasil

First record and ecological aspects of Hoplerythrinus unitaeniatus (Agassiz, 1829) (Characiformes, Erythrinidae) as introduced species in Rio dos Sinos basin, RS, Brazil

Mateus Evangelista Leal* * Autor para correspondência: Mateus Evangelista Leal, e-mail: mateusleal1977@gmail.com ; Greice Francisco Klein; Uwe Horst Schulz; Pablo Lehmann Albornoz

Laboratório de Ecologia de Peixes, Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, Av. Unisinos, 950, CEP 93022-000, São Leopoldo, RS, Brasil

ABSTRACT

Hoplerythrinus unitaeniatus is popularly known as jeju or aimara. Widely distributed, occurs in many Central and South America basins, with the São Francisco River as type locality. In Brazil, the southernmost record of the species is the Uruguay River, Rio Grande do Sul State. This study reports the first record of H. unitaeniatus in the Patos Lagoon system, Guaiba hydrographic region, state of Rio Grande do Sul, Brazil. The capture occurred in a floodplain adjacent of the Sinos River near São Leopoldo city (29° 44' 14.04" S and 51° 05' 11.08" W). Two specimens were collected with drag net in May 2008. One specimen was anesthetized with 2-phenoxy-ethanol solution, fixed in formalin 10%, identified and included in the Museu de Ciências e Tecnologia da Pontífícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul fish collection. The second specimen was kept alive in aquarium. After ten months it died of Lernaea cyprinacea (Crustacea, Copepoda) infestation. The presence of Lernaea and ease of captive breading of this species support the hypothesis that the collected fish escaped from regional fish farms. The accidental capture does not necessarily reflect a self-sustaining population, but shows the absence of supervision on breeding and marketing of non-native species, which may lead to a homogenized aquatic community.

Keywords: Erythrinidae, Hoplerythrinus unitaeniatus, invasive species.

RESUMO

A espécie Hoplerythrinus unitaeniatus é conhecida popularmente como jeju ou aimara. Possui ampla distribuição geográfica, ocorrendo em diversas bacias hidrográficas da América Central e do Sul, com sua localidade tipo, o Rio São Francisco. No Brasil o registro mais ao Sul da espécie é a bacia do Rio Uruguai, Rio Grande do Sul. O presente estudo reporta a primeira ocorrência de H. unitaeniatus no Sistema da Laguna dos Patos, Região Hidrográfica do Guaíba, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A captura ocorreu em um banhado adjacente ao Rio dos Sinos no Município de São Leopoldo (29° 44' 14,04" S e 51° 05' 11,08" W). Dois exemplares foram coletados com redes de arrasto em maio de 2008. Um dos espécimes foi anestesiado com 2-phenoxy-ethanol, fixado em formalina 10%, identificado e incluído na coleção de peixes do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O segundo espécime foi mantido vivo em aquário durante dez meses, vindo a óbito por debilidade devido a infestação por Lernaea cyprinacea (Crustacea, Copepoda). A presença de lérnea e a facilidade de criação em cativeiro da espécie fazem factível pensar que os peixes escaparam de alguma piscicultura da região. A captura acidental não reflete na proliferação de uma população auto-sustentável, mas direciona à falta de fiscalização para a criação e comercialização de espécies alóctones e exóticas, que futuramente tendem a gerar a homogeneização da biota aquática.

Palavras-chave: Erythrinidae, Hoplerythrinus unitaeniatus, espécies invasoras.

Introdução

A família Erythrinidae (Characiformes) é um grupo exclusivo da América do Sul composta por três gêneros e 17 espécies (Oyakawa 2003, Oyakawa & Mattox 2009). No Brasil os três gêneros estão presentes, no entanto em número reduzido de espécies: Erythrinus com duas espécies (Erythrinus erythrinus e Erythrinus kessleri), Hoplerythrinus uma espécie (Hoplerythrinus unitaeniatus) e Hoplias, incluindo sete espécies (Hoplias aimara, Hoplias australis, Hoplias brasiliensis, Hoplias curupira, Hoplias lacerdae, Hoplias malabaricus e Hoplias microcephalus) (Oyakawa & Netto-Ferreira 2007, Oyakawa & Mattox 2009).

Os erythrinídeos são amplamente distribuídos por águas interiores brasileiras (Oyakawa 2003). O conhecimento à cerca das espécies, porém, torna-se reduzido já que muitas informações disponibilizadas acabam por caracterizar apenas a família ou o gênero. Os registros sobre ocorrência das espécies são normalmente apresentados em listas de ictiofauna locais (Bichuette & Trajano 2003, Pompeu & Godinho 2003, Reis et al. 2003, Convênio 8713 FUNDEP-UFMG 2006, Granado-Lorencio et al. 2007, Leal et al. 2009).

O gênero Hoplerythrinus possui como principal característica a capacidade de sobreviver a longos períodos de hipóxia pela habilidade de absorver oxigênio atmosférico (Polez et al. 2003, Jucá-Chagas 2004, Oliveira et al. 2004). A respiração aérea facultativa é resultante da grande vascularização e esponjosidade da bexiga natatória, conferindo-lhe a possibilidade de fazer incursões terrestres entre corpos de águas adjacentes (Val & Almeida-Val 1995, Graham 1997, Jucá-Chagas 2004).

A espécie Hoplerythrinus unitaeniatus (Agassiz 1829) é conhecida popularmente como jeju ou aimara. Possui ampla distribuição geográfica ocorrendo em diversas bacias hidrográficas da América Central e do Sul (Bacias Amazônica, do Paraná, do São Francisco, Orinoco e Magdalena, rios costeiros da Guiana, Guiana Francesa e Suriname) que abrangem dez países (Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Guiana Francesa, Panamá, Peru, Suriname, Trinidade e Tobago e Venezuela) (Oyakawa 2003, Oyakawa & Netto-Ferreira 2007, Oyakawa & Mattox 2009). A localidade tipo da espécie é o Rio São Francisco, região nordeste (Fowler 1950) e o registro mais ao Sul no Rio Grande do Sul, Região Hidrográfica do Uruguai, no Município de Itaquí.

O H. unitaeniatus é um peixe onívoro que se alimenta de insetos a pequenos peixes (Graça & Pavanelli 2004, Moraes et al. 2004). Territorialista e altamente voraz, comportamento comum para a família Erithrynidae (Britski et al. 1999, Weitzman & Malabarba 1998), também apresenta cuidado parental (Sato et al. 2003, Graça & Pavanelli 2004). A construção de ninhos ocorre em ambientes rasos e a primeira maturação gonadal nas fêmeas ocorre em média com 165 mm, nos machos com 140 mm (Suzuki et al. 2004). Segundo Sato et al. (2003) a média de ovócitos para a espécie encontra-se na faixa de 1.064 a 1.370 ovócitos.g-1 gerando ovos do tipo adesivo, comum para espécies não-migradoras e com cuidado parental como o jeju. Encontrado em ambientes lênticos apresenta facilidade de adaptação às mudanças ambientais, físicas e químicas da água (Nelson 1984, Polez et al. 2003).

Levando em consideração a distribuição de H. unitaeniatus em bacias Hidrográficas brasileiras e sua capacidade de adaptação à ambientes alterados física e quimicamente, este estudo propõe reportar o primeiro registro da espécie na Região Hidrográfica do Guaíba, Rio Grande do Sul, Brasil. Devido a característica de predador voraz e territorialista, possivelmente capaz de alterar o equilíbrio das comunidades ícticas em sistemas naturais, pretende-se definir uma possível fonte introdutória de espécies alóctones neste sistema.

Material e Métodos

O estudo foi desenvolvido na bacia hidrográfica do Rio dos Sinos, pertencente ao Sistema da Laguna dos Patos, Região Hidrográfica do Guaíba, Rio Grande do Sul, Brasil (Fepam 2009a). A captura ocorreu em um banhado adjacente ao Rio dos Sinos nas proximidades da cidade de São Leopoldo divisa com Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul (29° 44' 14,04" S e 51° 05' 11,08" W) (Figura 1). Antigamente a área era utilizada na extração de barro para as olarias, formando vários reservatórios que hoje retêm águas das cheias, transformando-os em banhados.


Foram usadas redes de arrasto de 20 mm entre nós adjacentes, altura de 2 m e comprimento de 6 m em maio de 2008. Durante a coleta foram capturados dois peixes pertencentes à família Erythrinidae. Um dos peixes coletados foi anestesiado com 2-phenoxy-ethanol (0,35 g.L-1) até que os movimentos do opérculo cessassem. Subsequentemente o indivíduo foi fixado em formalina 10%. O peixe foi pré-identificado em laboratório utilizando chaves dicotômicas (Britski et al. 1999, Graça & Pavanelli 2007). A identificação foi confirmada por especialistas e o exemplar tombado na coleção de peixes do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCP 43009) como Hoplerythrinus unitaeniatus.

O segundo H. unitaeniatus foi mantido na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) vivo, isolado em aquário com temperatura ambiente e monitorado por um período de quarentena. Durante o monitoramento foi ofertada ao jeju comida viva (peixes), livres de parasitas, e gradualmente modificada para artificial (pellets).

Resultados

Dois exemplares de H. unitaeniatus foram capturados após uma grande inundação que atingiu áreas extensas da bacia. Um dos jejus foi destinado à coleção da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O Hoplerythrinus monitorado em aquário media 26,3 cm de comprimento total e 357,4 g de peso (Figura 2).


Durante o período inicial do monitoramento a dieta do jeju baseava-se na oferta de peixe vivo, gradualmente modificada para ração artificial. O peixe adaptou-se bem a alimentação ofertada e decorrentes 30 dias de observações, o jeju passou a alimentar-se somente de pellets. Inicialmente o comportamento do peixe no aquário apresentava deslocamentos para procura de alimento, sempre que este ofertado, e a captura de ar atmosférico frequente. No decorrer dos meses, por três ocasiões, o peixe mostrou-se um pouco debilitado e foram observadas marcas de dentes e ausência de escamas abaixo da nadadeira dorsal. A primeira causa atribuída foi auto-laceração por estresse devido ao confinamento, porém este fenômeno era compatível aos períodos de infestação por lérnea (Lernaea cyprinacea, Crustacea, Copepoda) sugerindo a tentativa do peixe de livrar-se dos ectoparasitas (Figura 3).


A constante infestação por lerneose debilitou o peixe causando a morte aos dez meses de sua permanência no aquário. Uma brusca queda de temperatura ocasionou a diminuição na frequência de alimentação do indivíduo e após alguns dias a queda do metabolismo alterou a imunidade do peixe, facilitando o desenvolvimento generalizado da parasitose. O ambiente controlado do aquário estava livre do crustáceo levando-se a crer que este foi introduzido junto com o peixe.

Discussão

A inundação devido ao excesso de chuvas que atingiu a Bacia dos Sinos em maio de 2008 (JornalVS 2009) alagou grande parte das áreas de planície adjacentes ao rio. Neste evento estações de aquicultura e açudes irregulares transbordaram ou foram cobertos por água, o que facilitou a fuga de diversas espécies de peixes. A introdução ou transferência de espécies exóticas e/ou alóctones podem resultar no declínio ou extinção de espécies nativas (Rahel 2000). Espécies exóticas podem ser vetores de patógenos e parasitas, competidores por recurso, áreas de reprodução e ainda podem causar alterações no ambiente (Welcomme 1988, Agostinho et al. 2000).

A origem de ocorrência de exóticos e/ou alóctones normalmente é explicada por fuga de estações de piscicultura e aquarismo comercial (Orsi & Agostinho 1999). Criatórios de peixes são os maiores meios de introdução de espécies exóticas (Welcomme 1988). Muitas pisciculturas estão situadas às margens dos rios, locais suscetíveis a inundação, e durante estes eventos milhares de peixes juvenis e adultos podem escapar (Orsi & Agostinho 1999) como observado em 2008, no Rio dos Sinos.

O jeju, H. unitaeniatus, é uma espécie que não ocorre naturalmente na bacia hidrográfica do Rio dos Sinos e de acordo com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Portaria 145/1998) (IBAMA 1998) é considerada uma espécie alóctone, ou seja, espécie de origem hidrográfica brasileira registrada em uma bacia que não ocorria naturalmente. Ela ocorre onde existem águas de temperaturas elevadas, podendo ser este um dos fatores que limitam o estabelecimento da espécie para o Sul do Brasil.

O H. unitaeniatus mantido em aquário estava infestado por lérnea, um exótico e comum parasita nas estações de aquicultura, possivelmente introduzido no Brasil através de Cyprinus carpio (carpa comum). No Rio dos Sinos a presença da carpa é relatada pelos pescadores como uma das introduções mais antigas de peixes exóticos (Leal et al. 2009). Segundo Querol et al. (2005) e Piedras et al. (2006) a espécie C. carpio consegue se estabelecer na presença de espécies nativas mostrando alta adaptação reprodutiva e representando um risco de doença para as populações locais através da disseminação da Lernaea cyprinacea. O estresse que o peixe apresentou pode ter sido causado pelo isolamento no aquário, porém há evidências de que a auto-laceração foi possivelmente ocasionada pela insistente tentativa do peixe de livrar-se das lérneas. A presença dos inúmeros filamentos aderidos ao corpo e nadadeiras e a presença de lesões remanescentes após o desprendimento do parasita provocam grande desconforto e irritação nestas regiões, observação registrada também por Mabilia et al. (2002).

Como a origem mais provável de introdução do jeju é a piscicultura, fica evidente que o espécime capturado já se apresentava parasitado. Segundo Mabilia et al. (2002) a maioria dos peixes infestados por estágios adultos de lérnea apresentam também as formas infectantes (copepoditos) na pele e principalmente nas brânquias, levando-os a proliferarem a lerneose por um longo período. As mortalidades são frequentes em peixes afetados pela lérnea, exclusivamente hematófaga, a qual provoca um quadro de anemia nos peixes predispondo-os às infecções secundários bacterianas e fúngicas. No caso do jeju monitorado, a debilidade causada pela lerneose somada a diminuição da alimentação devido brusca queda de temperatura no ambiente, baixaram sua imunidade. Já fragilizado, o indivíduo acabou vulnerável à própria infestação por lérnea e outros agentes infectantes, vindo a óbito.

O jeju monitorado adaptou-se bem a rotina em cativeiro. A substituição de dieta viva por alimento artificial não foi complicada. Não existem informações que indiquem que o peixe se reproduza naturalmente em cativeiro, apenas de forma induzida (Vasconscellos 2003). O porte mediano da espécie desfavorece a utilização dos indivíduos por aquariófilos, pois são grandes demais para aquários comuns, e pequenos para a aquicultura comercial. Porém o maior motivo é a alta agressividade da espécie, que não poderia ficar acompanhada em aquários e em tanques de aquicultura, ocasionando agressões e canibalismo.

Considerando o porte médio da espécie, ela não é candidata a uma produção em grande escala para consumo humano. Porém ela pode ser mantida e reproduzida em cativeiro, o que facilita a comercialização como isca para pesca esportiva - provável origem da introdução. A captura de apenas dois exemplares em área adjacente ao rio não indica a reprodução em meio natural da espécie. De acordo com Fleming & Gross (1993) na maioria das vezes há insucesso reprodutivo das espécies acidental ou intencionalmente introduzidas. Em pontos próximos ao local de captura dos jejus, novas coletas realizadas até o momento pela equipe do Laboratório de Ecologia de Peixes, não registraram mais a presença da espécie.

As espécies exóticas e/ou alóctones compõem mais de 10% da riqueza de espécies de peixes do Rio dos Sinos (Leal et al. 2009). A introdução de H. unitaeniatus mesmo que acidental, pode acrescentar perturbação ao equilíbrio ecológico do já impactado ecossistema Rio dos Sinos. O Rio dos Sinos, principal curso hídrico da bacia é afetado por impactos agudos e crônicos (desmatamento, esgoto cloacal e industrial) (Schulz et al. 2006, FEPAM 2009b) provocadores de mortalidades superiores a 80 toneladas de diferentes espécies entre os anos de 2006 e 2007 (FEPAM 2007). Peixes de vários níveis tróficos foram afetados entre eles o birú (Cyphocharax voga), branca (Oligosarcus sp.), pintado (Pimelodus maculatus) e grumatã (Prochilodus lineatus). Eventos constantes de mortalidade em vários pontos do rio e a poluição caracterizaram o Rio dos Sinos como um dos oito rios mais poluídos do Brasil (ANA 2009).

As perspectivas expostas no texto sobre a presença da espécie de origem alóctone H. unitaeniatus introduzida artificialmente em áreas adjacentes ao Rio dos Sinos, não caracteriza risco momentâneo para o desequilíbrio da ictiocenose na bacia. Em contrapartida, demonstra a fragilidade de um sistema aberto no qual a comunidade ribeirinha e piscicultores expõem o fragilizado Rio dos Sinos aos possíveis danos causados por espécies introduzidas sem nenhum tipo de controle ou fiscalização. Uma ampliação no esforço direcionado a fiscalização ambiental, acrescido de um plano de educação e sensibilização focado aos recursos hídricos, inibirá futuros incidentes de escapes de espécies não nativas em ecossistemas aquáticos naturais.

Agradecimentos

Ao professor Dr. Carlos Alberto S. de Lucena (Laboratório de Ictiologia, Museu de Ciências e Tecnologia PUCRS) pelas sugestões feitas ao referente manuscrito.

Recebido em 04/01/2010

Versão reformulada recebida em 20/05/2010

Publicado em 03/07/2010

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    Autor para correspondência: Mateus Evangelista Leal, e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Revisado
      20 Maio 2010
    • Recebido
      04 Jan 2010
    • Aceito
      03 Jul 2010
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